Nota sobre a foto histórica do primeiro Conselho Deliberativo do CNPq
O Presidente Dutra, através da Lei nº 1.310 de 15 de Janeiro de 1951, cria o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, mas foi o Presidente Vargas quem aprovou o seu regimento, com o Decreto nº 29.433, de 04 de Abril do mesmo ano.
As duas datas acima, formalizam legalmente a existência do primeiro órgão governamental voltado para ciência e tecnologia, centrando nas atividades de pesquisa a sua missão precípua.
Entretanto, o marco inicial de sua criação é tido como a data da instalação do Conselho Deliberativo (CD) do CNPq, por sua representativa composição, predominantemente de membros cientistas, como órgão soberano de orientação das atividades do CNPq.
A sala Álvaro Alberto, no Edifício Sede do CNPq em Brasília, onde hoje se realizam as reuniões do Conselho Deliberativo (CD) é dominada por uma ampla fotografia, hoje histórica, que mostra a primeira reunião do CD, instalado em 17 de abril de 1951, realizada no gabinete do diretor geral do DASP, no Rio de Janeiro, local em que no dia anterior teriam sido empossados os membros do CD, por representação institucional.
Não se trata de uma foto onde aparecem todos os membros do CD. Uma legenda numerada identifica os fotografados.
Aparecem na foto o secretário do CD, comandante Aécio Antunes e sua assistente, Sra. Diamantina Ferreira da Cunha, registrando-se apenas 18 dos membros do CD, de um total de 25.
Daquela histórica reunião não constam no registro fotográfico, por motivos desconhecidos, seis membros dentre os 16 advindos da comunidade científica. Outra ausência foi a do representante do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Sr. Ernesto Lopes da Fonseca Costa).
Mediante a análise dos Termos de Posse, ambos datados de 16 de abril de 1951, constata-se que 16 membros da comunidade tiveram sua posse realizada no gabinete do Presidente do CNPq, não tendo sido identificada a assinatura do conselheiro Otto Guilherme Bier. Entretanto, a lei determinava que este número deveria variar de 6 a 15 membros.
Os registros documentais (Termos de Posse) permitem compreender a aparente discrepância entre o número regulamentar de membros e o que na realidade se efetivou, uma vez que apesar de não ter sido identificado o membro representante das Indústrias, 25 conselheiros foram empossados.
O certo é que a primeira direção do CNPq, ao optar pelo número maior de membros possível, revelou desde o seu início, o compromisso preferencial por aqueles que, na época pertenciam a ainda relativamente pequena comunidade acadêmica brasileira.
Outra hipótese a ser considerada é a de que não houve rigor na definição do número de membros, já que a própria lei permitia um mínimo de 9 e um máximo de 15 participantes da comunidade acadêmica.
Uma curiosidade é a não inclusão nos Termos de Posse de qualquer referência ao Vice-presidente do CNPq, coronel Armando Dubois Ferreira, que tinha sua participação assegurada pela lei de criação do CNPq.
Para trazer um pouco mais de esclarecimentos à análise da composição do primeiro CD do CNPq, identificaremos a seguir cada um deles:
I) Dois membros de livre escolha do Presidente da República, correspondente ao Presidente e ao Vice-presidente do CNPq:
Legenda | Nome | Função/Formação | Origem |
* - 1 | Contra Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva | Presidente / Química | RJ |
* - 2 | Coronel Armando Dubois Ferreira | Vice-presidente / Engenheiro militar | RJ |
* participou da foto histórica – X não participou da foto
II) Cinco membros indicados pelo Governo, representando os seguintes ministérios:
Legenda | Nome | Função/Formação | Origem |
* - 3 | Diplomata Edmundo Penna Barbosa da Silva | Repres. do Ministério das Relações Exteriores | RJ |
X – 4 | Ernesto Lopes da Fonseca Costa | Repres. do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio / Engenheiro Mecânico – 1º Diretor do Instituto Nacional de Tecnologia | RJ |
* - 5 | Francisco de Sá Lessa Filho | Repres. do Ministério de Educação e Saúde / Engenheiro | RJ |
* - 6 | Mário Abrantes da Silva Pinto | Repres. do Ministério da Agricultura / Engenheiro Civil - DNPM | RJ |
* - 7 | Tenente Coronel Orlando da Fonseca Rangel Sobrinho | Repres. do Estado Maior das Forças Armadas / Engenheiro Civil | RJ |
III) Nove membros no mínimo e 18 no máximo, sendo um representante da Academia Brasileira de Ciências; dois outros, um representando o órgão de administração pública, na época o DASP e outro, representando o setor industrial, e os demais escolhidos na Comunidade Científica.
Legenda | Nome | Função/Formação | Origem |
* - 8 | Arthur Moses | Repres. e Presidente da ABC/Médico Biólogo | RJ |
* - 9 | Arízio de Viana | Repres. do DASP/Advogado | RJ |
X – 10 | Não designado | Repres. do Setor Industrial |
A propósito em “Marcos Institucionais do Conselho Nacional de Pesquisas”, Sarita Albagli in Perspicillum – Vol. 1, n.º 1 esclarece: “apesar de prevista na Lei nº 1.310 de 15 de Janeiro de 1951, a participação de um órgão representativo das Indústrias no Conselho Deliberativo nunca chegou a se realizar. Em 1957, através da Exposição de Motivos nº 5 de 14/02/57, à Presidência da República, o Presidente do CNPq, solicitou a autorização para contactar a Confederação Nacional das Indústrias, de modo a receber sugestões para preenchimento desta representação. A CNI apresentou os nomes de seu Presidente Lídio Lunardi e do assistente da presidência da Confederação, Sr. Oty da Costa Lage. Não há registro, no entanto, de qualquer resposta da Presidência da República a tais indicações”.
Com relação a participação da comunidade científica, a lei estabelecia: “escolhidos os demais dentre homens de ciências, professores, pesquisadores ou profissionais técnicos pertencentes a universidades, escolas superiores, instituições científicas, tecnológicas e de alta cultura, civis ou militares, e que se recomendem pelo notório saber, reconhecida idoneidade moral e devotamento aos interesses do pais”. Para atender a estas qualificações, foram designados:
Legenda | Nome | Função/Formação | Origem |
* - 11 | Sylvio Torres | Veterinário | RS |
* - 12 | Heitor Vinícius da Silvera Grillo | Agrônomo (Fundador da Universidade Rural do RJ) | RJ |
* - 13 | Álvaro Ozório de Almeida | Médico - biólogo | RJ |
* - 14 | Olympio Oliveira Ribeiro da Fonseca Filho | Médico e Diretor do Instituto Oswaldo Cruz (1º Diretor do INPA – Manaus) | RJ |
* - 15 | Lélio Itapuambyra Gama | Astrônomo – Matemático (1º Diretor do IMPA) | <RJ |
* - 16 | Luiz de Barros Freire | Físico – universidade do Recife | PE |
* - 17 | Cesar Mansueto Giulio Lattes | Físico - CBPF | PR |
* - 18 | Joaquim da Costa Ribeiro | Físico/Univ. do Brasil (1º Diretor de Divisão Técnico Científico) | RJ |
* - 19 | Álvaro Difini | Químico/Univ. Rio Grande do Sul | RS |
* - 20 | José Baptista Pereira | Engenheiro /DNER | RS |
X – 21 | Otto Guilherme Bier | Microbiologia/USP | SP |
X – 22 | Luiz Cintra do Prado | Físico | SP |
X – 23 | Djalma Guimarães | Mineralogista | MG |
X – 24 | Francisco João Humberto Maffei | Engenheiro/USP-IPT | SP |
X – 25 | Coronel Bernardino Correa de Mattos Neto | Engenheiro Militar/Energia Atômica | RJ |
X – 26 | Ari Frederico Torres | Engenheiro/USP-IPT | SP |
Ao comemorar os seus 40 anos de existência, o CNPq pode ainda contar com o testemunho histórico de quatro conselheiros que participaram da instalação de seu primeiro Conselho Deliberativo, e que aparecem na famosa foto, são eles (numeração da foto): embaixador Edmundo Penna Barbosa da Silva (n.º 2), o cientista Cesar Lattes (n.º 8), Dr. Arízio de Viana (n.º 12) e o Dr. Mário Abrantes da Silva Pinto (n.º 18).
Os membros-representantes da comunidade científica, inicialmente todos nomeados pelo Presidente da República, tinham mandatos de três anos, a partir da data de instalação do CD, sendo que dois terços destes, ao fim de dois anos seriam substituídos, através de sorteio prévio – critério por sinal, muito pouco acadêmico. Tiveram mandatos prolongados, Lélio Itapuambyra Gama que permaneceu como membro do CD de 1951 a 1973, perfazendo 22 anos e Arthur Moses, detentor do segundo mais longo mandato, que durou 17 anos de 1951 a 1967.
Outro aspecto interessante, ditando o efetivo caráter de permanente deliberação das atividades do CNPq, a freqüência das reuniões estabelecidas pelo Decreto nº 29.433, de 04 de Abril de 1951, de quatro reuniões ordinárias por mês. O funcionamento da Casa dava-se através de comissões, compostas pelo número de três conselheiros e um presidente, as primeiras a serem instaladas foram:
- Comissão de Fianças, Intercâmbio e Administração;
- Comissão de Ciências Biológicas;
- Comissão de Ciências Físicas e Matemáticas;
- Comissão de Ciências Químicas; e
- Comissão de Tecnologia.
As denominações destas comissões ilustram o domínio das ciências exatas primordialmente, e secundariamente das ciências biológicas, nas ações do CNPq.
Estas comissões eram responsáveis pelos julgamentos das solicitações de bolsas e auxílios à pesquisa.
Vale a pena salientar a forte presença de militares dentre os membros do CD. Em parte a política nuclear pós 2ª Guerra, posta em pratica pelo governo explica esta contingência, mas é interessante notar que, afora a Diretoria Administrativa do CNPq (Presidente, Vice-presidente, Secretário do CD), todos militares da ativa, além da representação do EMFA, encontra-se militares dentro da quota reservada à comunidade científica.
Com pequenas modificações na sua composição, esta estrutura persiste até 1974, quando ocorre a transformação do Conselho Nacional de Pesquisas em Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por meio da Lei Nº 6.129 - de 6 de Novembro de 1974, que determina a extinção do Conselho Deliberativo, substituído pelo Conselho Científico e Tecnológico (CCT), além de transferência da sede do CNPq do Rio para Brasília.
Apesar da direção do Conselho – mesmo nos primórdios – ter tido a clarividência de perceber que ciência e tecnologia andam juntos e preferencialmente inseparáveis, somente em meados da década de 70, o CNPq explicita em sua razão social, sua volta para o setor de tecnologia.
Registra-se no entanto, a injustificável ausência das ciências humanas e sociais que só disporiam de um setor especifico para a área, a partir de 1966, através de tênue e tímido atendimento a já majoritária comunidade de cientistas sociais prevalecente no País.
O Conselho Deliberativo só seria restabelecido, através do Decreto n° 92.641, de 12 de Maio de 1986, atendendo as reivindicações da comunidade científica.
Aqui recomeça outra etapa histórica.
Brasília, 17 de abril de 1991
Marcos Formiga
No CNPq, de onde está afastado temporariamente, ocupou as seguintes funções: Coordenador de Ciências Humanas e Sociais, Superintendente de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, Superintendente de Cooperação Internacional; e, por dois períodos distintos, foi Diretor-Substituto do CNPq.
Referências:
Lei Nº 1.310/51 - de Janeiro de 1951 Cria o CNPq e dispõe sobre sua principal atribuição de coordenar e estimular a pesquisa científica no país.
Lei Nº 6.129 - de 6 de Novembro de 1974 Dispõe sobre a transformação do Conselho Nacional de Pesquisas em Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e dá outras providências.
Decreto nº 29.433, de 04 de Abril de 1951
regulamento interno do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq - assinado por todos os Ministros de Estado.
Decreto n° 92.641, de 12 de Maio de 1986
Aprova o Estatuto de fundação para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
CNPq – Livro de Atas do Conselho Deliberativo, 1951
Livro de Posse, 1951
Perspicillum – Mast – Vol. 1 n.º 1 – Maio, 1987
Agradecimentos:
Maria Luiza Abreu – CPO/CNPq
Mariângela Pereira, Elmodad Azevedo e Geralda Paulista pela colaboração no acesso à documentação.
Ao Dr. Lindolpho de Carvalho Dias e Francisco de Paulo Storino pela indispensável ajuda na reconstituição de fatos e personagens da História do CNPq