A A A A- A+

Centro de Memória
Centro de Memória >Fontes em C&T >Publicações - Centro de Memória

Discursos

Discurso do ex-presidente do CNPq, Evando Mirra de Paula e Silva
Transmissão do Cargo de Presidente do CNPq

Brasília, 15/10/2001


Evando Mirra de Paula e Silva

Há exatos dois anos recebi do Ministro Ronaldo Sardenberg a honrosa missão - e o imenso desafio - de assumir a condução dos destinos desta Casa. Foram para mim dois anos excepcionais. Não apenas pelo privilégio de estar à frente desta Agência, onipresente no quadro da ciência e tecnologia do País, mas também pela oportunidade única de participar de uma extraordinária aventura coletiva, neste momento tão singular da nossa história.

A singularidade do momento manifesta-se de muitas formas, mas uma delas tem para nós um significado especial. Trata-se do contraponto original entre os riscos, tantos deles endêmicos, que rondam o empreendimento de ciência e tecnologia no Brasil, e as possibilidades inéditas que hoje se abrem para nós. Estas novas possibilidades, geradas pela conjugação da crescente competência de nossa comunidade científica com a exigência de conhecimento ditada, de forma imperiosa, pelo novo cenário socioeconômico internacional, colocam um campo novo para a pesquisa e suas articulações com a sociedade.

Foi nesse contexto que buscamos construir, ao longo desses dois anos, nossas linhas de trabalho para o fortalecimento do CNPq, ampliação de sua presença no cenário nacional de fomento à pesquisa e sua inserção nas estratégias essenciais de mudança do País.

Devemos lembrar que foi preciso, primeiro, enfrentar a necessária transformação interna da Instituição, buscando dotá-la de uma estrutura e de procedimentos operacionais que a colocassem em sintonia mais fina com as novas exigências de nosso tempo e com o porte e a configuração hoje assumidos pela comunidade científica.

Neste sentido, partindo das diretrizes emanadas do Planejamento Estratégico já desencadeado na gestão do Prof. Tundisi, foi implantada uma estrutura menos verticalizada, com centros de decisão mais próximos do nível operativo. Nessa estrutura foram redistribuídas funções, visando acoplar os programas tradicionais e os programas especiais, com o entrelaçamento das questões científicas e tecnológicas. Prosseguimos com firmeza a modernização e a informatização de todos os procedimentos gerenciais, a consolidação da base Lattes e do Diretório dos Grupos de Pesquisa. Foi redesenhada a cooperação internacional, para operar com maior integração, tanto interna quanto externa, e para adequá-la ao novo lugar do País no concerto dos países produtores de conhecimento.

Grande foi o esforço e muito resta ainda a ser feito, mas acredito que o que já se conquistou coloca-nos mais aptos a responder às novas demandas e mais capazes para ocupar os novos espaços de oportunidade que se desenham para a Agência.

No plano externo, não há nenhum segredo: a recuperação do Fomento foi nossa obsessão explícita. Esta questão, que sabemos complexa e delicada, foi abordada de muitas formas, na busca de modos complementares para contemplar necessidades diversificadas, de maneira confiável, mobilizando-se todas as fontes possíveis e utilizando-se múltiplos mecanismos e instrumentos.

Com os Editais universais procurou-se acolher a demanda espontânea mais ampla, mapeando-se ao mesmo tempo parte significativa do universo atual de pesquisa do País. As chamadas específicas, de que são exemplos Editais como aqueles do campo da saúde, do agronegócio, da agricultura familiar, do genoma, das nanociências e nanotecnologias, da restauração dos bens culturais, de educação para a ciência e do fundo de petróleo e gás, entre outros, permitiram a realização de operações de fomento em áreas definidas e ações mobilizadoras em direção a programas mais ambiciosos e de maior envergadura.

A internalização do PRONEX e os programas do Milênio criaram um novo espaço para o apoio do CNPq aos grupos consolidados, enquanto o desenvolvimento dos Programas Regionais de Pesquisa e Pós-Graduação permitiu avanços nas estratégias de redução dos desequilíbrios regionais. Nesta linha, avançou-se também na construção de operações de fomento articuladas com as Secretarias de Ciência e Tecnologia e as Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados da federação, com editais conjuntos e ações especiais na montagem de redes cooperativas e em plataformas tecnológicas.

Assim, através de um mosaico diversificado de iniciativas, a criação e o fortalecimento de estratégias de fomento ocuparam parte considerável de nosso esforço permanente e permitiram, com recortes diversificados, a injeção de recursos no sistema e a criação de novas formas de apoio à pesquisa. Esses processos, dentro da tradição maior do CNPq, foram sempre estruturados no parâmetro da excelência, segundo os critérios rigorosos da competência dos pesquisadores e da qualidade e relevância dos projetos.

Esse esforço é portanto indissociável do empenho no aprimoramento da Consultoria Científica do CNPq. Mobilizando com freqüência e de maneira flexível os Comitês e todo o corpo de Assessores, ampliou-se e diversificou-se a extensão do assessoramento na vida da Instituição. Esta presença contínua, avisada, crítica e solidária da comunidade científica em nossa Casa desdobrou-se na interlocução e no trabalho comum com nossas sociedades científicas e tecnológicas, em primeiro lugar com a SBPC, a ABC e a ABIPTI.

O cuidado e a atenção constante do Conselho Deliberativo, que registro com gratidão, foram garantias do acompanhamento crítico e rigoroso dos desdobramentos e implicações de todas essas ações. Dentre elas mereceria destaque, em especial, a implantação do CMA, Comitê Multidisciplinar de Articulação, que tem agregado qualidade à avaliação e tem trazido ricas contribuições para o seu aperfeiçoamento.

Mas não se trata aqui de fazer um balanço ou uma prestação de contas. E talvez o que tenha mesmo se passado de mais essencial seja difícil de se relatar. Pois tratou- se de uma aventura humana exaltante, na busca permanente da escuta, da compreensão e do entendimento. Esta postura de construção das convergências, para além dos interesses específicos e das demandas localizadas, postura que não exclui as divergências, antes se nutre delas, procurando-se construir uma visão do futuro que oriente os movimentos do presente, esta atitude marcou o nosso gesto e tudo aquilo que fizemos.

Cabe, quanto a isso, lembrar o que é sobejamente conhecido: o papel decisivo também aí desempenhado pelo Ministro Ronaldo Sardenberg, cuja conduta sábia e determinada nos guiou nesses meandros perigosos e cujo humor e elegância nos ensinaram, a cada dia, mais do que se possa imaginar.

Nesta aventura coletiva o dinamismo implacável de Carlos Américo Pacheco matizou de um tom fraterno os rudes embates da empreitada e anunciou o clima em que, com Mauro Marcondes, na Finep, e todos os colegas do MCT, faríamos o nosso caminho.

Alice Abreu, Albanita Viana, Almiro Blumenschein, Celso Melo e Gerson Galvão honraram-me com a sua confiança ao aceitar compor comigo a direção mais alta desta casa, com dedicação total e às vezes forte sacrifício pessoal. Eles trouxeram, além da competência, do prestígio e do brilho pessoal, a amizade calorosa com que vivemos intensamente as alegrias e as incertezas desta etapa para mim inesquecível.

Devo aos servidores desta Agência um profundo agradecimento pela capacidade e empenho com que conduziram, muitas vezes em condições de urgência e de sobrecarga, a complexa e delicada trama das atividades essenciais de que somos incumbidos. Se não posso agora nomear a todos no meu reconhecimento, permitam-me fazê-lo na pessoa da Sandrinha, cuja dedicação capaz e carinhosa ultrapassa de muito o razoável, e que tão bem representa esta devoção apaixonada que é marca desta Casa.

Vivi aqui dois anos inesquecíveis. E é a força deste envolvimento e meu comprometimento total com este processo que me levam hoje a cumprir, em outro lugar, mas com o mesmo entusiasmo e na mesma companhia, um novo papel em nossa tarefa comum de fortalecimento do suporte ao esforço nacional em ciência e tecnologia, na busca dos melhores rumos para o nosso País.

Esta não é uma despedida. Já compartilhei muitos embates com meu colega e amigo Ésper Cavalheiro. Muitos deles se passaram neste espaço, participando juntos da avaliação de programas e da construção de estratégias da Agência. Conheço os seus méritos e sei que está preparado para a missão. A ele desejo todo o sucesso na condução do CNPq. E reafirmo aqui meu compromisso com ele e com esta Casa. Contém comigo também nesta caminhada.



Voltar