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Discursos

Discurso de posse do Dr. Ésper Abrão Cavalheiro como presidente do CNPq

Brasília, 15/10/2001


Ésper Abrão Cavalheiro

Assumir a presidência do CNPq é, para mim, uma grande responsabilidade e uma forte emoção, como, tenho a certeza, assim o foi para os que me precederam nessa função e assim o seria para qualquer cientista brasileiro.

Como toda a comunidade científica, sei o que representa esse Conselho na historia da ciência e da tecnologia no Brasil, e sei que sua historia se confunde com a história da institucionalizaçao da pesquisa no Brasil, como nos lembra e nos demonstra o belo livro comemorativo do cinqüentenário do CNPq, que acaba de ser publicado.

Pessoalmente, devo a esse Conselho os incentivos sem os quais minha pesquisa pessoal, o laboratório onde desenvolvo meu trabalho em neurologia experimental, a equipe de pesquisadores que coordeno e boa parte de meus orientandos não teriam as mesmas condições de possibilidade com as quais contaram e contam.

Institucionalmente, sei por experiência própria e por ter exercido a função do pro-reitor de pós-graduação e pesquisa na Escola Paulista de Medicina, no lugar e a importância do CNPq na consolidação da pesquisa, na construção institucional e na vida da pesquisa e dos pesquisadores.

Nacionalmente, pude reaprender, na direção do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação e, mais recentemente, como Secretário de Políticas e de Programas de Ciência e Tecnologia do MCT, o alcance da ação dessa Agência e seu efeito multiplicador na construção do conhecimento e na formação de pessoal altamente qualificado para esse país.

Pude aprender também, ao participar da atual equipe do MCT, que cada objetivo alcançado e cada realização são sempre pontos de partida para novos desafios, e que imprimir direção na política nacional de ciência e tecnologia exige atenção aos problemas do país e do nosso tempo, capacidade de escuta, confiança no trabalho coletivo, valorização do pluralismo, humildade pessoal e também ousadia. Uma química, sem dúvida difícil, que vi ser possível produzir excelentes frutos.

Por ter trabalhado nesses últimos dois anos, muito diretamente com o Ministro Sardenberg e com o Professor Evando Mirra, sei que não eram retóricas as palavras assinadas por ambos na breve apresentação do livro Cinqüentenário do CNPq: noticias sobre a pesquisa no Brasil, onde afirmam que

“Impõe-se (...) como desafio para o novo milênio a construção de uma ciência articulada ao exercício da cidadania, ou seja, aberta à participação ativa da sociedade na elaboração e instrumentos para o progresso do país”.

Quero fazer minhas essas palavras, assim como quero fazer meu o programa de trabalho que elas resumem e o sentido ético que as informa.

Por isso, a responsabilidade – que sei ser muito grande – e, por isso, também a emoção – que é muito forte. E tanto a responsabilidade quanto a emoção ficam exponeciadas com o fato de assumir essa nova função no dia 15 de outubro, Dia do Professor e, portanto, um dia muito especialmente significativo para os que, como eu, fazem da docência universitária seu oficio.

Assumo, hoje, a função de presidente do CNPq e o serviço à comunidade científica e ao país que essa função pressupõe, com toda a consciência do que ela significa, mas, também, com alguma tranqüilidade e com muitos sonhos e projetos.

Minha relativa tranqüilidade vem de uma tríplice fonte:

Em primeiro lugar, vem da confiança que tenho na equipe da qual faço parte no MCT. Na verdade essa substituição está longe de significar qualquer tipo de descontinuidade. Apenas troco de lugar para continuar, junto com o professor Evando Mirra, que agora assume a presidência do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, junto à essa equipe e no interior do MCT, a fazer o que todos nos achamos que vale a pena fazer: empenhar o melhor de nossos esforços para que a ciência e os cientistas dessa país tenham condições de buscar respostas para os desafios de nosso tempo e canais para o desenvolvimento de pesquisas capazes de contribuir para o avanço do conhecimento no mundo de hoje, sem deixar de olhar de frente os problemas reais, concretos e graves do Brasil e de todos os brasileiros, inclusive daqueles que jamais saberão as implicações da ciência e da tecnologia em suas vidas.

Em segundo lugar, vem da certeza que tenho no trabalho constante e competente de todo pessoal do CNPq, de cada funcionário do CNPq, cujo empenho supera as dificuldades que todos conhecemos. É muito bom poder contar com a permanência da professora Alice Rangel de Paiva Abreu na vice-presidência dessa Agência, com a continuidade da colaboração dos seus atuais diretores (Albanita Viana, Celso Melo e Gerson Galvão), e com a segurança que da a presença e o trabalho de todos e cada um dos que fazem do CNPq o que essa agência sempre foi para a comunidade científica e para o país.

Em terceiro lugar, minha relativa tranqüilidade vem da esperança na resposta da comunidade científica às propostas apresentadas, debatidas e lançadas à reflexão durante a recente Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Quando o Livro Verde amadurecer e assumir as cores de um plano nacional de ciência e tecnologia para os próximos dez anos, definido através do debate amplo e da participação das universidades, dos institutos de pesquisa, dos representantes do setor privado e das agências públicas, empenhados no avanço científico e tecnológico do país e de todos aqueles que fazem ciência no Brasil, poderemos ter finalmente um mapeamento de prioridades e desafios estratégicos a serem assumidos e implementados, ao lado da demanda espontânea que sempre deverá existir, inclusive como canal para o que ainda não sabemos formular, como garantia do espaço da diferença sempre bem vinda e como mediação para que seja assegurado o nicho institucional do pluralismo.

Meu sonho como presidente do CNPq não é o de fazer uma gestão sem conflitos. Meus colegas das ciências humanas e sociais me ensinaram que esse seria um sonho que negaria o suposto de nosso historicidade. Mas é, sim, fazer uma gestão em que os conflitos sejam aqueles que valem a pena assumir, não os que derivam das vaidades pessoais e dos interesses individuais de quem quer que seja, mas os conflitos que existem e são constantemente recolocados em função daquilo que nenhum cientista e nenhuma ciência tem, hoje, o direito de ignorar aqueles que derivam do primado da ética em todo e qualquer campo do conhecimento; aqueles que resultam dos desafios de sempre e dos desafios próprios do nosso tempo para os que fazem do pensar o lugar especifico de seu exercício da cidadania; e aqueles que se originam na busca do que a ciência pode contribuir para a construção de um presente e de um futuro mais justos e mais humanos para todos os brasileiros.

Não preciso dizer que é difícil substituir o professor Evando Mirra, pois o Evando tem, entre suas muitas qualidades, uma que eu invejo especialmente: é a capacidade de buscar — e de encontrar — na palavra poética, com uma facilidade assombrosa, a síntese e a melhor expressão dos projetos em que ele acredita e nos quais se empenha. Todos nós nos acostumamos a vê-lo fazer isso nos momentos solenes e na vida cotidiana, e agora, infelizmente, todos vocês vão ter que se desacostumar — por absoluta e confessa incapacidade específica do novo presidente do CNPq — dessa prática tão bela quanto rica, já que a poesia é, na tradição clássica, uma das formas do conhecimento humano. Em todo caso, e para que fique evidente que esse seu ensinamento não caiu no vazio, eu quero concluir o que tenho a dizer na primeira vez que uso a palavra como presidente do CNPq, afirmando que foi precisamente na poesia que encontrei o melhor resumo do que para mim são os projetos de hoje e de sempre do CNPq.

São palavras encontradas na poesia de uma mulher que, se viva fosse, estaria completando, esse ano, cem anos. Uma poeta que possuiu o segredo e a ciência das palavras, e que a aventura da vida levou a conviver muito de perto com a chamada ciência exata, já que foi casada com um dos fundadores do CNPq, o Dr. Heitor Vinícius da Silveira Grilo, fitopatologista, professor e diretor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Essa mulher se chama Cecília Meireles, pacifista convicta, que fez parte, junto com Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Pascoal Leme e Álvaro Alberto, do grupo que ficou conhecido na história da educação brasileira como o grupo dos Pioneiros da Escola Nova no Brasil, signatários do Manifesto de 1932 que defendia a escola pública, universal e gratuita como forma privilegiada de construção de um Brasil que rompesse com uma lógica presidida por privilégios e exclusões.

Em 1940, Cecília Meireles publicou um livro intitulado Vaga Música e, nele, há um poema que leva o nome de Reinvenção no qual, como num refrão, repete-se por três vezes o verso que vejo como síntese e como sinal identitário do que sempre foi feito e sempre será projetado no CNPq.

O verso é muito simples e diz apenas:

"A vida só é possível reinventada."

E não é senão para reinventar a vida que toda ciência é feita.
E não é senão para que a vida, reinventada, seja possível e melhor para todos, que nossos projetos pessoais e institucionais podem ganhar sentido.
E, certamente, é para reinventar a vida, que vamos continuar o trabalho há muito começado no CNPq.



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